Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a proteção jurídica ao único imóvel de família, mesmo quando ele integra um espólio e é ocupado por herdeiros do falecido. Segundo o colegiado, a condição de bem de família subsiste enquanto o imóvel conservar a função de residência da entidade familiar, sendo, portanto, impassível de penhora para quitação de dívidas do falecido.
A controvérsia teve origem no Rio Grande do Sul, onde uma família buscava garantir o pagamento de uma dívida de cerca de R$ 66 mil contra o espólio de um ex-sócio falecido, requerendo o arresto do único imóvel deixado — ainda não partilhado — sob alegação de risco de venda pelos herdeiros. O juízo de primeiro grau acatou o pedido e manteve o bloqueio do bem, entendimento este confirmado pelo TJRS.
Contudo, a defesa do espólio sustentou que o imóvel era utilizado como moradia por dois herdeiros, um deles interditado e sem renda, devendo, por isso, manter-se impenhorável por se tratar de bem de família nos termos da Lei nº 8.009/90.
O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial, destacou que o único imóvel destinado à residência permanente da família continua protegido como bem de família mesmo após o falecimento do proprietário. A proteção, segundo ele, independe:
A natureza jurídica do bem de família, prevista nos arts. 1º, 3º e 5º da Lei nº 8.009/1990, tem caráter de norma de ordem pública, o que significa que sua proteção só pode ser afastada nas hipóteses taxativas da lei — como nos casos de pensão alimentícia ou financiamento do próprio imóvel.
Segundo o advogado Dr. Gelson Tomiello, da Tomiello Advocacia, a decisão do STJ é importante porque confirma a função social e protetiva do direito à moradia:
“Mesmo após o falecimento do titular do bem, o imóvel continua resguardado pela Lei do Bem de Família, desde que mantenha a característica de moradia habitual dos herdeiros. Essa proteção é essencial para garantir o mínimo existencial e evitar que famílias sejam despejadas em razão de dívidas herdadas”, explica.
Ainda segundo o Dr. Gelson, a jurisprudência do STJ caminha no sentido de evitar interpretações patrimonialistas que desconsiderem a função social da moradia:
“O patrimônio herdado pode, sim, responder por dívidas, mas não de forma indiscriminada. O bem de família é exceção expressa. A decisão é acertada e humaniza o direito sucessório.”
A decisão serve como precedente importante para casos semelhantes em todo o país, reforçando que a mera existência de dívidas do falecido não autoriza a penhora do imóvel residencial ocupado por seus herdeiros, quando este é o único da família. Trata-se de limite legítimo ao poder de execução, preservando a dignidade da família sobrevivente.